Reciclagem de água se torna tendência nos setores de Mineração e Metalurgia
Fonte: Assessoria ABM
A gestão e a reciclagem de água são temas cada vez mais relevantes no setor mínero-metalúrgico, cujas atividades são intensivas no consumo do elemento essencial para o processo de fabricação do aço e para a refrigeração de máquinas e equipamentos. Estima-se que a mineração consuma cerca de 7% da água doce utilizada pela indústria global. No Brasil, um estudo do MapBiomas, realizado em 2021, revelou que o país perdeu 15,7% de superfície de água nos últimos 30 anos, uma área equivalente a 3,1 milhões de hectares.
Com o agravamento da crise hídrica, empresas desses setores estão adotando práticas de reciclagem de água para reduzir o impacto ambiental e garantir a sustentabilidade de suas operações. Práticas, inclusive, que já são consideradas na meta 6.3, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU).
“Há diversas práticas para reduzir o uso de água na indústria, como a implementação de tecnologias de reciclagem de água, a otimização de processos para minimizar o desperdício e o reuso de água tratada. Há, ainda, o desenvolvimento de tecnologias de concentração magnética de minérios de baixo teor de ferro, que dispensam o uso de água”, afirma Lindaura de Souza Cândido d’Ávila, Engenheira Master na Vale e Vice-coordenadora da Comissão Técnica de Aglomeração de Minérios da ABM.
Redução do uso de água: estratégias eficientes
Entre os profissionais entrevistados, é unânime o fato de que é necessária a redução do uso de água, e isso envolve gestão eficiente, tecnologias inovadoras, manutenção adequada e reuso.
“Existem práticas que têm se apresentado altamente eficientes para diminuir uso de água. Talvez a principal delas seja a gestão eficiente, particularmente do consumo, em tempo real e por processo. A informação precisa ser consolidada, analisada e compartilhada para gerar compromisso com o objetivo global e identificar estratégias assertivas de implantação. As melhores práticas demandam ainda estabelecer um comitê multidisciplinar com áreas consumidoras para analisar e implantar otimizações nos processos, e manutenção adequada da infraestrutura, particularmente as redes de distribuição e instrumentação, garantindo qualidade nos dados”, indica Juan Manuel Yannaduoni, Gerente de Águas e Efluentes da Ternium.
Tecnologias inovadoras têm sido implementadas, a exemplo das que permitem o beneficiamento de minério de ferro a umidade natural, reduzindo o consumo de água e eliminando a necessidade de barragens de rejeitos. “Em termos de impacto, as principais iniciativas para a diminuição do uso de água na mineração nascem da redução do volume de água utilizado, com a opção pelo beneficiamento de minério de ferro à umidade natural, que não utiliza água no processo, reduzindo o consumo total em cerca de 93%. E, como outro ganho importante, não há a geração de rejeitos e, consequentemente, a necessidade do uso de barragens”, aponta Lindaura, da Vale.
Programas de recirculação de água e utilização do balanço hídrico para monitorar e melhorar o uso de água também são alternativas na siderurgia. “Investimos continuamente em programas de recirculação de água e destacamos o desempenho de uma importante ferramenta, na planta de Ouro Branco, em Minas Gerais, chamada balanço hídrico: volume de saída e entrada de água de um sistema em um intervalo de tempo serve para conhecer mais profundamente e melhorar o circuito hídrico. Após o levantamento desse balanço, a unidade apresentou queda na intensidade de consumo de água nos últimos quatro anos, de cerca de 30%”, revela Cenira Nunes, Gerente geral de meio ambiente da Gerdau.
Tecnologias de reciclagem de água: inovações e eficiência
As tecnologias de reciclagem de água variam conforme as necessidades específicas de cada indústria. “Aos fins práticos e industriais, a principal tecnologia para reutilizar água resulta da filosofia de reuso da mesma ao longo dos processos, controlando as alterações lógicas e esperadas em sua qualidade. Basicamente, ‘cascatear’ o consumo da água desde sua qualidade mais nobre – desmineralizada, por exemplo – até virar efluente líquido para logo ser tratado e virar água de reuso. Para exemplificar, a purga ou blowdown de um sistema de refrigeração indireto (sem contato) resulta na reposição ou make-up de um sistema de refrigeração direto (com contato). Desta forma temos atingido Índices de Recirculação de 98,3%, sendo referência nacional”, explica Juan, da Ternium, empresa que gera oito tipos de água, cada uma delas com suas próprias características.
O reuso da água também é uma realidade na Gerdau, que utiliza estações de recirculação de água dos processos, o reuso de água em cascata (makeup de sistemas diretos sendo feito com as purgas dos sistemas indiretos) e o tratamento e reuso de efluentes, como explica Cenira. “O maior desafio que enfrentamos é nos mantermos atualizados com o constante avanço das tecnologias relacionadas a esse processo. Isso requer um olhar cuidadoso para a pesquisa, assim como o acompanhamento do tema por especialistas no assunto. A Gerdau preza pela adoção de tecnologias modernas disponíveis em suas operações”, diz Cenira.
Outra solução que utiliza tecnologia de ponta é a filtragem de rejeitos. “Atualmente, são aplicadas algumas tecnologias para reciclagem de água. Nos casos em que o processamento requer o uso de água, gerando rejeitos, pode-se utilizar a filtragem, que retira água do rejeito, gerando até 90% de reaproveitamento desse importante recurso na cadeia de produção. No âmbito siderúrgico, os processos de recirculação de água industrial vêm aplicando o desenvolvimento de soluções de produtos químicos, que aumentam a eficiência de processos de separação e remoção de sólidos, tais como adensamento, clarificação, filtragem e outros, o que impacta positivamente o percentual de água recuperada e reciclada, a partir de lamas de processos de Aciaria, Alto Forno e Laminações”, explica Lindaura, da Vale.
Limitações e desafios na reutilização da água reciclada
Existem algumas limitações na reutilização da água reciclada em determinadas operações ou processos nas indústrias de mineração e siderurgia. De forma geral, os três especialistas apontam, especialmente, a composição química e a qualidade da água como uma barreira para a eficiência do processo. De acordo com Lindaura, da Vale, algumas das limitações incluem:
- Qualidade da água: alguns processos na mineração e siderurgia requerem água de alta qualidade, livre de certos contaminantes que podem estar presentes na água reciclada;
- Composição química: a composição química da água reciclada pode não ser adequada para certos processos específicos que exigem características particulares, como pH ou níveis de minerais;
- Restrições regulatórias: em alguns casos, regulamentações ambientais podem impor limitações à reutilização da água reciclada, estabelecendo padrões de qualidade que devem ser atendidos para determinadas operações;
- Viabilidade econômica: em certos casos, os custos associados ao tratamento da água reciclada para atender aos requisitos de qualidade podem tornar a reutilização impraticável ou economicamente inviável.
Em relação aos desafios na reciclagem de água em operações de mineração e metalurgia, os principais são a gestão de resíduos sólidos gerados durante o tratamento da água, a eficiência energética dos sistemas de reciclagem e a garantia da qualidade da água reciclada, conforme aponta Lindaura, da Vale. “Esses desafios são superados através de pesquisa contínua, investimento em tecnologias avançadas e conformidade com regulamentações ambientais. No caso dos resíduos gerados após a filtragem, tanto na mineração, quanto na metalurgia, há o desenvolvimento da aplicação desses materiais como matéria-prima em outras indústrias”, explica.
Benefícios econômicos e ambientais
A implementação de sistemas de reciclagem de água traz múltiplos benefícios. Ambientalmente, há uma significativa redução na extração de água dos ecossistemas naturais, preservando os recursos hídricos para outras finalidades. “A reciclagem de água contribui para a sustentabilidade e a redução do impacto ambiental da operação ao reduzir a demanda por água nova, ou seja, a água que é captada de rios, lagos ou poços”, diz Lindaura, da Vale.
Economicamente, as empresas reduzem os custos associados à captação e tratamento de água fresca, além de minimizar as taxas de descarte de efluentes. “A reciclagem de água contribui tanto para a menor captação, como para reduzir o volume de efluentes e o impacto ambiental do descarte. Além disso, o processo também pode reduzir custos relacionados a captação e descarte”, enfatiza Cenira, da Gerdau.
A redução da captação do meio ambiente também é um fator positivo destacado por Juan, da Ternium. Segundo ele, a gestão integral do recurso hídrico é fundamental para a implementação ocorrer corretamente e com benefícios ambientais e para a empresa. “Baseado no conceito de sustentabilidade como um equilíbrio entre a dimensão socioeconômica e a dimensão ambiental, produzir mantendo a integridade do recurso é prioritário. No final das contas, a utilização eficiente da água garante o equilíbrio e mantém as operações sustentáveis”, complementa.
Casos de sucesso
Empresas como Vale, Ternium e Gerdau vêm conquistando resultados positivos graças a novas iniciativas de sustentabilidade e reuso da água.
No caso da Vale, entre as empresas pioneiras na adoção de tecnologias de reciclagem de água, 82% do volume da demanda total são de água reutilizadas. De acordo com o balanço hídrico da empresa, em 2022, foram reutilizados 507 milhões de m³ de água, captados 4,7 milhões de m³ de água de chuva e utilizados 1,7 milhão de m³ de água do mar dessalinizada.
Em relação à Ternium, o Gerente de Águas e Efluentes aponta a geração de oito tipos de água, com características específicas e de acordo com o processo consumidor. “O exemplo máximo é o Efluente Tratado, denominado ‘água de reuso’, que, já adequado à normativa ambiental, é reutilizado na aspersão das pilhas de matérias-primas, aspersão de ruas e reposição nos sistemas de tratamento dos coprodutos. Atualmente, estamos atingindo Índices de Reuso de Efluente Tratado em torno de 80%, um desempenho destacável na siderurgia”, cita Juan.
Por sua vez, a Gerdau obteve, globalmente, um reaproveitamento de 97,8% da água usada na produção, consequência dos sistemas de reuso e recirculação nas unidades da empresa. “Esse volume vem de um total de 1,97 bilhão de m³ recirculados em 2023”, destaca Cenira.
O futuro da reciclagem de água na indústria
O futuro da reciclagem de água no setor mínero-metalúrgico está pautado por inovações tecnológicas e um compromisso crescente com a sustentabilidade. “As perspectivas incluem o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes e sustentáveis, o aumento da conscientização sobre a importância da conservação da água e a implementação de políticas e regulamentações mais rigorosas relacionadas ao uso e descarte de água”, afirma Lindaura, da Vale.
Nesse sentido, diretrizes internas que estejam em conformidade com as tendências de sustentabilidade global são essenciais para o planejamento de ações e desenvolvimento de sistemas cada vez mais eficazes na reciclagem de água. “A operação brasileira da Gerdau possui metas anuais e um roadmap baseado em estabilidade de processos e alavancas de sustentabilidade do negócio. Temos um inventário de todas as demandas necessárias para mitigar os gaps existentes (visão interna e externa), medidos pela gestão do risco operacional e adicionados sistematicamente ao planejamento da operação e investimento para que as melhorias sejam contínuas e progressivas”, destaca Cenira, da Gerdau.
A minimização do chamado stress hídrico, que resulta na escassez hídrica na sociedade como um todo, deve ser um compromisso assumido pela indústria a partir das metas de sustentabilidade, destaca Yannaduoni, da Ternium. “Em nível industrial, temos a responsabilidade de gerenciar o recurso da forma mais eficiente possível, reduzindo o consumo mediante otimização dos processos e reutilizando a água ao máximo possível. As perspectivas futuras indicam maiores exigências ambientais e expectativas sociais para as indústrias em termos de reciclagem e reuso de água. A implantação de projetos específicos para gestão hídrica, principalmente no que tange ao reuso, será cada vez mais necessária e frequente”, enfatiza.
Deixe seu comentário