Filme biodegradável para embalar alimentos usa gelatina e nanocristais de celulose
O pó fino secular e versátil da gelatina é a base de um novo filme comestível e biodegradável para embalagem de alimentos multifuncionais. Utilizando o método de casting contínuo, pesquisadores brasileiros e franceses incorporaram nanocristais de celulose (CNCs), modificados com resina de pinus, à estrutura frágil da gelatina para reforçá-la e produzir um filme, de forma mais rápida e mais resistente. O resultado foi uma película biodegradável, antimicrobiana e com propriedades antioxidantes.
A preparação do material por laminação contínua, conhecida como casting contínuo, é uma técnica com potencial de aplicação na indústria, de baixo custo e alta produtividade. Ela permite o uso de soluções ou dispersões à base de água, sem a necessidade de empregar aditivos de processamento.
O uso do casting contínuo ainda não havia sido explorado para o processamento de filmes proteicos em escala-piloto. O trabalho inovador envolveu pesquisadores da Embrapa Instrumentação (SP), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade de Grenoble Alpes (UGA), França, e teve apoio da Fapesp.
Atualmente, a técnica mais empregada para processamento de filmes de gelatina é o casting convencional (bench casting), mas o método falha pela baixa produtividade, porque uma das etapas de produção do filme, a secagem, requer tempos relativamente longos, de até 24 horas.
Já o casting contínuo tem a vantagem de requerer tempos de processamento curtos, graças ao uso de radiação infravermelha na etapa de pré-secagem, temperaturas mais altas e intensa circulação de ar.
A produção do filme com maior rapidez, entre 10 e 20 minutos, levou a um aumento significativo de produtividade, desempenho que aproxima a pesquisa da necessidade da indústria. Com a técnica foi possível produzir 12 metros de filme por hora em escala de laboratório.
Os filmes apresentaram formato transparente e incolor – características importantes, porque permitem ao consumidor visualizar o conteúdo e a qualidade do produto – sem fraturas após a secagem, com ausência de partículas insolúveis na sua superfície, seguro, estável, ecologicamente correto, eficiente barreira contra óleos e lipídios, boa capacidade de formação de filme e natureza comestível.
O método de casting contínuo promove alto controle de espessura da lâmina úmida, sem a necessidade de aditivos de processamento, permite o uso de soluções-dispersões aquosas e menor necessidade de espaço e de mão de obra para a fabricação.
“Essas características são bastante desejáveis, principalmente quando se considera passar um processo realizado em laboratório para a escala industrial. A produção de filme é realizada em uma linha de revestimento, como uma máquina de laminação”, afirma Liliane Samara Ferreira Leite.
Nesse processo, as soluções são espalhadas continuamente sobre um substrato móvel, como poliéster ou papel revestido, com uma lâmina úmida de altura ajustável para controlar a espessura do filme seco.
A pesquisadora explica que o substrato revestido passa, então, por um aquecedor infravermelho de pré-secagem e câmaras de secagem e, no final, o filme seco é resfriado à temperatura ambiente e enrolado em um rolo enquanto ainda está aderido ao substrato.
Plástico biodegradável
Além disso, ele se mostrou com propriedades ópticas e mecânicas similares aos plásticos convencionais, mas com a vantagem de ter fontes naturais como matéria-prima e de ser biodegradável. Outra vantagem é que o filme é antimicrobiano, inibiu o crescimento de Staphylococcus aureus e Escherichia coli em testes acelerados de laboratório e prolongou a vida útil de queijo mussarela em até um mês.
O filme de gelatina apresentou alta barreira contra a radiação UV, quase 100% para UVC, mais de 93,3% para UVB e 54,0% para UVA, devido a grupos cromóforos – parte ou conjunto de átomos de uma molécula responsável por sua cor – como tirosina e fenilalanina.
Os resultados obtidos pela pesquisa demonstram o uso promissor de filmes de gelatina reforçados com CNC para aplicações como embalagens, cujo papel fundamental é manter a qualidade e segurança dos produtos alimentícios durante o armazenamento e transporte.
Validado em ambiente de laboratório e em escala pré-piloto, os próximos desafios envolvem a demonstração do protótipo com filmes à base de gelatina termosseláveis (que podem ser fechados sem uso de cola, mas apenas com aplicação de calor) destinados ao armazenamento de diferentes produtos alimentícios na escala industrial.
O desempenho do filme, mesmo em escala-piloto, já chamou a atenção de empresa global de fornecimento de proteínas de colágeno para as indústrias de alimentos, farmacêutica, saúde e nutrição e de aplicações técnicas. A convite dessa multinacional, os pesquisadores estão participando de um desafio voltado a buscas de alternativas disruptivas para o uso da gelatina.
Fonte: Boletim Fapesp Pesquisa para Inovação (https://pesquisaparainovacao.fapesp.br/)
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